Enxaqueca com aura: um aviso antes da dor
Incapacitante e mal compreendida, a enxaqueca com aura é mais do que uma simples dor de cabeça. Entenda sinais, riscos e caminhos para prevenir e tratar o problema.
SAÚDE
Michelle Horst
4/23/20255 min read


O que é a enxaqueca?
Silenciosa, traiçoeira e, para muitos, uma inimiga incapacitante, a enxaqueca não é apenas uma dor de cabeça comum. Trata-se de um distúrbio neurológico crônico que afeta cerca de 15% da população mundial, comprometendo muitas vezes a qualidade de vida de quem sofre com o problema.
Classificada como uma dor primária — ou seja, sem causa subjacente aparente —, a enxaqueca pode durar horas ou até dias e acarreta sintomas como náusea, sensibilidade a luz e a estímulos sonoros, além de uma dor pulsátil geralmente unilateral. Afetando especialmente mulheres em idade produtiva, a condição é hoje reconhecida como uma das doenças mais incapacitantes do planeta.
Essa condição pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adolescentes e jovens adultos. Além disso, afeta cerca de três vezes mais mulheres do que homens, com uma prevalência especialmente alta em mulheres em idade fértil, em razão das flutuações hormonais que ocorrem no decorrer dos ciclos reprodutivos.
A origem da enxaqueca é complexa e multifatorial e envolve fatores genéticos, hormonais, ambientais e comportamentais. Mais de 80% das pessoas que sofrem desse mal têm casos da doença na família, o que indica forte base genética.
Aura: um aviso antes da tempestade
Entre as diversas formas de enxaqueca, a que manifesta aura é uma das mais desafiadoras. Mais rara, ela está presente em aproximadamente 25% dos casos. Enquanto a enxaqueca sem aura é caracterizada predominantemente pela dor intensa, a modalidade com aura se diferencia por sintomas neurológicos reversíveis que precedem ou acompanham a dor de cabeça. Esses sintomas podem ser tão incapacitantes quanto a dor em si e, em muitos casos, são profundamente perturbadores para o paciente. De todo modo, funcionam como um alarme do cérebro.
A aura é uma manifestação neurológica transitória que pode envolver uma série de sintomas, que se desenvolvem de maneira gradual e desaparecem em até 60 minutos. As alterações visuais são as mais comuns e incluem flashes de luz, perda temporária da visão central, pontos brilhantes ou imagens em ziguezague no campo visual. Porém, a aura pode se manifestar também de outras maneiras, como veremos a seguir.
Vale frisar que esses sintomas podem ocorrer antes da dor de cabeça ou mesmo junto com ela, dependendo do caso.
Sintomas da enxaqueca com aura
Embora os sintomas de aura variem de uma pessoa para outra, entre os mais comuns estão:
Alterações visuais: luzes piscando ou em forma de ziguezague, pontos brilhantes ou imagens em formas geométricas. Esses sintomas podem iniciar em uma parte do campo visual e gradualmente se expandir, dificultando a visão.
Distúrbios sensoriais: formigamento ou dormência que se inicia normalmente em um lado do corpo e pode envolver mãos, rosto ou língua. Tais sensações tendem a se espalhar nos minutos subsequentes ao aparecimento.
Dificuldades de fala: a fala pode ficar embaraçada, com o paciente tendo dificuldades para articular palavras, apesar de entender claramente o que quer dizer (esse fenômeno é conhecido como disartria).
Sintomas motores (menos comuns): algumas pessoas podem experimentar fraqueza muscular temporária em um lado do corpo, assemelhando-se a um pequeno AVC.


Exemplos de auras visuais: A – espectro de fortificação; B – espectro de fortificação e escotoma; C – cintilações; D – espectro de fortificação. Fonte: Sociedade Brasileira de Cefaleia.
Após o desaparecimento da aura, tem início a dor de cabeça, geralmente intensa e unilateral. A dor pode ser pulsátil e durar de 4 a 72 horas, acompanhada de outros sintomas, como aversão à luz (fotofobia) e a estímulos sonoros (sonofobia), além de náuseas.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico de enxaqueca com aura é primariamente clínico e leva em conta os sintomas descritos pelo paciente, bem como o histórico dele, a frequência das crises e a presença de sintomas típicos da aura. Exames como a ressonância magnética (RM) e a tomografia computadorizada (TC) podem ser solicitados para excluir outras condições neurológicas, como tumores ou lesões cerebrais, que podem desencadear sintomas semelhantes.
Em muitos casos, a enxaqueca com aura pode ser confundida com outras condições, como o acidente vascular cerebral (AVC) ou o ataque isquêmico transitório (AIT), o que pode gerar confusão e ansiedade. A diferença principal da enxaqueca com aura para esses distúrbios é que a primeira é temporária, desaparecendo antes da dor de cabeça em si, ao passo que o AVC e o AIT são condições mais graves, com sintomas muitas vezes permanentes.
Quais são os riscos associados à enxaqueca com aura?
A enxaqueca com aura está associada a sérios riscos à saúde, principalmente relacionados a alterações temporárias no fluxo sanguíneo cerebral. Em alguns casos, pode aumentar o risco de acidente vascular cerebral (AVC), especialmente em pessoas que já apresentam outros fatores de risco, como hipertensão ou histórico familiar de doenças cardiovasculares. Mulheres que fazem uso de anticoncepcionais orais contendo estrógeno também devem ter cuidado, pois esse hormônio aumenta o risco de eventos vasculares em indivíduos que sofrem de enxaqueca com aura.


O uso de contraceptivo oral (pílula) aumenta a chance de desenvolver enxaqueca com aura.
Além disso, pessoas com enxaqueca com aura também podem experimentar um aumento na ansiedade e no estresse, principalmente em decorrência da imprevisibilidade das crises e do medo de uma possível complicação grave, como um AVC.
Como tratar a enxaqueca com aura?
O tratamento desse tipo de enxaqueca envolve duas abordagens principais: tratamento agudo, que tem o objetivo de aliviar a dor; e tratamento preventivo, que visa a reduzir a frequência e a intensidade das crises. Vejamos mais detalhadamente cada tipo de intervenção:
Tratamento agudo
Envolve o uso de medicamentos como:
Triptanos: agem diretamente nas vias cerebrais relacionadas à dor, interrompendo a crise.
Analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): são usados para aliviar a dor durante a crise.
Antieméticos: controlam sintomas como náuseas e vômitos.
Tratamento preventivo
Inclui:
Betabloqueadores (como o propranolol) e antidepressivos (como a amitriptilina): ajudam a reduzir a frequência das crises.
Anticonvulsivantes (como o ácido valproico): ajudam a estabilizar a atividade cerebral e a prevenir as crises.
Mudanças no estilo de vida: são essenciais para evitar o aparecimento das crises e envolvem principalmente evitar gatilhos (por exemplo, certos alimentos, estresse e padrões irregulares de sono).
Prevenção e qualidade de vida
Embora a enxaqueca com aura não tenha cura, a gestão adequada dela é possível com acompanhamento médico regular e mudanças no estilo de vida. Evitar gatilhos, como determinados alimentos e bebidas, praticar atividade física regularmente, melhorar a qualidade do sono e reduzir o estresse são atitudes essenciais para controlar a frequência e a intensidade das crises.
Além disso, o apoio psicológico pode ser fundamental para lidar com a ansiedade e o impacto emocional da enxaqueca com aura. Grupos de apoio e terapias podem ajudar o paciente a entender melhor o distúrbio e os fatores desencadeantes e a desenvolver estratégias eficazes para conviver da melhor forma possível com o problema.

